quinta-feira, 27 de março de 2014

Moçambique 3 – Coisas do ouvir falar...

Quem já se acostumou com salas de aula, com a vida de professor, sabe bem como tudo funciona. Ali, dependendo do dia, mas com alguma frequência, se ouve confissões, se faz confissões, se entende algo sobre o mundo do outro. Nesses últimos dias, envolvido em mexer e remexer em projetos de pesquisa para a Escola Doutoral da Universidade Pedagógica de Moçambique, fui ouvindo coisas e falando outras, conversando com alunos ou somente escutando conversa alheia, ou, ainda, ouvindo desabafos como se estivesse coberto pelas bênçãos de um confessionário católico. Hoje vou transcrever coisas que ouvi, que me tiraram o sono, que me fizeram pensar na grandiosidade da tragédia e da comédia humanas, do como, homens absolutamente inseridos em uma cultura, esquecem sua capacidade de resistência e, em nome de uma vida melhor, se perdem no desespero daqueles que tenta salvar. Bem... vou tentar contar algumas dessas histórias.

Na cura da AIDS (ou SIDA, como se diz por aqui)

Não há segredos quanto à prevalência do vírus HIV no continente africano e, menos ainda, no que se refere à chamada África Austral. Desde que frequento essas terras tenho visto, às vezes com alguma ênfase, outras num quase silêncio, o uso dos meios de comunicação de massa procurando estimular a utilização de preservativos enquanto, pelas conversas com alunos, observa-se algum despreparo dos meios oficiais no tratamento do assunto. Em outubro de 2010, por exemplo, justamente entre o primeiro e segundo turno das eleições que garantiu ao PT mais 4 anos de poder, eu me encontrava por aqui (não consegui votar no segundo turno) e acompanhei pela imprensa a visita do então Presidente Lula, inaugurando o primeiro laboratório de produção de retrovirais do continente, sob a supervisão da FIOCRUZ e a alegria de alguns moçambicanos. Quando voltei em 2012, já não mais ouvi falar do laboratório e, pelas últimas informações que recebi, ele já não mais funciona.
Bem... em meio a essa trágica situação, e quando imaginamos que nada poderá tornar o processo ainda mais doloroso, a realidade se impõe e vemos que estávamos enganados. Desde 2004, quando das minhas primeiras viagens, ouço comentários sobre a condição de muitos doentes que, quando percebem que suas forças estão se esvaindo, se voltam ao curandeirismo local (seja ele o mais tradicional ou o estimulado pelas igrejas universais que se multiplicam por aqui), procurando satisfazer os mortos que, segundo se imagina, descontentes que estão, acabam por retirar dos vivos sua capacidade de viver.
Nos dias de hoje os problemas e pseudo soluções parecem se multiplicar. Provavelmente, como uma espécie de inferência lógica de que somente o uso de preservativos pode conter a propagação da doença, pois o vírus é sexualmente transmissível, há quem creia que não somente é possível transmitir como, se o parceiro sexual for virgem, o processo de transmissão poderá “limpar” aquele que já se encontra infectado.
A crença tem se tornado fatal: a busca de virgens (desde crianças com meses de idade até meninas entrando na puberdade) e a prática do estupro infantil tem ampliado a tragédia em todos os sentidos. Há momentos em que vale pensar: de quanto tempo e de quantos mortos se necessitará para que se possa encontrar o fundo do poço?

Feministas, estupros, casamento e perdão.

 Na quinta feira da semana passada algumas centenas de mulheres se reuniram em frente à Assembleia da República. Algumas lideranças chegaram a afirmar que, se necessário fosse, tirariam suas roupas, considerando a ideia de que a nudez das mulheres poderia derrubar o governo.
Tanta fúria tinha lá sua razão. O congresso havia aprovado, em primeira avaliação, uma lei que preconizava o seguinte: se uma mulher, depois de estuprada, casasse com o estuprador, ele seria perdoado e, portanto, não seria preso.
A proposição chocou as feministas e os defensores dos direitos humanos. A ideia de transferir para a vítima a responsabilidade sobre a prisão de seu algoz é, no mínimo, estranha. Bem... as mulheres não tiraram suas roupas, mas, ao que me pareceu, obrigaram seus deputados a repensar o assunto. Esperemos....

Planejamento de Estado: aldeias comunais e um povo que resiste.

Ontem, em meio a debates sobre a precisa identificação de temas de pesquisa e na tentativa de ajudar os alunos a observarem suas próprias experiências, lembrei-me de coisas que ouvi, na cidade da Beira, quando lá estive em 2012.
Não sei se conseguirei dar conta da complexidade do problema, mas vou, somente, descreve-lo da maneira como o entendi.
Os fato começaram por determinação de Samora Machel, o grande líder da Revolução Moçambicana, e podem ser resumidos nos seguintes termos: considerando que cada família vivia distante das demais e com isso ampliava as dificuldades da presença do estado como provedor de meios para a melhoria das condições sanitárias, para a disponibilização dos serviços de saúde e o funcionamento de escolas, o governo começa a estimular, de forma consideravelmente incisiva, o deslocamento dessas famílias para o que se chamou de aldeias comunais. A ideia é simples: mais próximos, mais fácil de ajudar.
Acontece, no entanto, que tais famílias viviam distantes umas das outras e estava nessa geograficidade a condição de viverem seus valores, suas formas de produção e reprodução da vida.
As aldeias comunais reuniram, numa mesma identidade territorial 2 ou 3 régulas (lideres espirituais e políticos) e, rapidamente, alguns começaram a voltar para suas origens, levando “seu povo” consigo. Ou faziam isso, ou teriam de entregar seus poderes a outros.
Nesse contexto também reclamaram as mulheres: no modelo tradicional tinham o controle sobre a cozinha, a casa e a machamba (área de produção agrícola) e a aproximação tornava tudo isso algo coletivo e carregado de conflitos.
Na outra ponta, temos os homens, sendo que muitos deles possuíam mais que uma família e, no contexto tradicional, poderiam se deslocar entre suas casas com facilidade e sem confrontar suas mulheres. A aproximação colocava-as frente a frente, umas com as outras, e isso destruía o contexto de família ao qual os homens estavam associados.
Hoje em dia, as aldeias comunais ainda são fonte de muitos debates e resistência: os sábios do Estado ainda não conseguiram derrubar os sábios comunitários e a ambiguidade ainda tende a permanecer....

Vale lembrar que, no mesmo contexto e com o objetivo de facilitar a vida das mulheres – responsáveis que são pela disponibilização da água dentro de suas casas –, o governo andou perfurando poços artesianos próximos às casas. Tal ato teria por objetivo evitar que mulheres tivessem de se deslocar até os rios mais próximos e, assim, abandonar suas casas até três ou quatro horas todos os dias. Acontece, no entanto, que tais “idas ao rio” representam para as mulheres o momento do dia em que se sentem livres, em que podem encontrar-se com seus homens, conversarem entre si e, definitivamente, água perto de casa é mais um problema que uma solução.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Moçambique 2 - Sexta Feira - o Seminário e as conversas sobre Gorongoza

Para que eu possa comentar o andamento do seminário não poderei seguir, simplesmente, a ordem cronológica dos acontecimentos (ou, como sempre, do que eu percebi deles). Como todos sabem, há uma grande diferença entre viver uma História e contá-la. Não há porque mentir, considerando que o objetivo é, somente, que discurso faça sentido para quem o lê.
Então... vamos seguir, na medida do entendimento, os acontecimentos do dia.
A primeira imagem que me chamou a atenção se apresentou logo à entrada da Universidade. Trata-se de um edifício de quatro ou cinco andares, com corredores superpostos que nos permitem ver o pátio interno do campus, e, à esquerda, as salas (sejam aquelas dirigidas ao uso administrativo ou simplesmente para que se ministre as aulas). Olhando do pátio, se parece com um imenso conjunto de “Ls” superpostos.
Bem... essa imagem eu já conhecia, considerando que já ministrei vários cursos naquelas dependências. O que me chamou a atenção foi um conjunto de mesas, cadeiras, toalhas e uma série de outros equipamentos que indicavam que haviam transformado a entrada principal do edifício, a partir de um de seus estacionamentos, numa área de alimentação. O transcorrer do dia (tanto no intervalo da manhã quanto na hora do almoço) comprovou que tudo aquilo estava ali à serviço do seminário e, portanto, disponível somente àqueles que dele participavam.
Lanchamos bem, almoçamos divinamente, enquanto alguns passantes nos olhavam com alguma curiosidade.
Em meio a sucos, peixes, saladas e peri-peri (pimentas), conversamos sobre tudo um pouco. A guerra na Gorongoza voltou à minha pauta. Os professores com quem conversei me deram mais algumas explicações que, apesar de não se alinharem diretamente com aquelas que, no dia anterior, me foram oferecidas pelo motorista, meus novos informantes me pareceram complementar dados, ampliar as escalas, melhorar o entendimento. A informação mais importante, creio eu, dava conta do seguinte: quando da assinatura do tratado de paz que pôs fim à guerra civil, a FRELIMO assumiu a responsabilidade sobre as forças armadas e a RENAMO, temerosa de ser traída, manteve um contingente clandestino de algo em torno de três mil homens armados. Até o momento, ao que parece, as promessas da RENAMO de que um dia ganhariam as eleições e que aqueles soldados deixariam seus esconderijos nos matos e seriam oficialmente reconhecidos, se tornaram cada vez mais anacrônicas. A FRELIMO continua a ter o controle do país e os soldados estão envelhecendo em meio à clandestinidade. Frente a isso, ao que parece, a guerra em Gorongoza se mostra como um conjunto de escaramuças que procura afirmar a ambos os lados (FRELIMO e RENAMO) que é preciso solucionar o problema desses homens. De qualquer maneira, tais escaramuças trás ao debate publico o fato – que, certamente, todos já sabiam – da RENAMO ter mantido tropas armadas sob seu comando sem respeitar o acordo de paz. Sem novidades, portanto, quando se observa o histórico dos acordos de paz do último século, pois, lembremos, o início da guerra de 1914 está fazendo seu centésimo aniversário e a noção de que existem acordos de paz é, neste caso, paradigmática. De qualquer maneira, ao que parece, nem os partidos, nem os moçambicanos que estão ainda em pleno processo de construção identitária, desejam o retorno da guerra civil.
Quanto ao seminário propriamente dito, vou dedicar poucas palavras pois, creio, tudo o que ali foi discutido será retomado no transcorrer do curso que se inicia hoje, de forma mais pausada e, provavelmente, mais profícua.
Em primeiro lugar gostaria de realçar o fato de que o seminário mostrou, claramente, um acelerado processo de amadurecimentos dos debates relacionados a nossa disciplina. As perguntas (e, principalmente, a maneira como foram elaboradas) que deram o tom do debate foram precisas e, mesmo que envolvessem embates com os quais vivemos no Brasil desde os anos 70 (a crise da Geografia, por exemplo, o seu estatuto de cientificidade), os seminaristas pareciam buscar em nosso campo do conhecimento respostas à relação entre a unidade pressuposta pela existência do Estado-Nação e seus ordenamentos ou disciplinamentos e a fragmentação interna provocada pelo deslocamento forçado das populações a partir das guerras de libertação e da guerra civil.
Por outro lado, no calor dos debates, se falou da necessidade de se pesquisar e construir uma história do pensamento geográfico moçambicano e, portanto, já se aponta para a necessidade de uma auto avaliação.
No período da tarde, um a um, os novos alunos do doutorado apresentaram seus projetos e se viram, creio que pela primeira vez, alvo de uma simples e direta avaliação. Bem... começamos o trabalho. Agora vamos ver se conseguimos construir a disciplina necessária à pesquisa com a qualidade que justifique a existência de um programa como este.
Antes de terminar dois pequenos comentários, sendo que ambos são o resultado de observações vividas ontem pela manhã.
Bem... o contexto é simples: saí do hotel para fazer uma caminhada. O calor das dez horas já mostrava o que seria o transcorrer do dia e, assim, em passo forçado, me desloquei algo em torno de quatro quilómetros (ida e volta), sendo que me dirigi pela 24 de junho (avenida onde se encontra o Hotel), atravessei a Avenida Vladimir Lenine e desci a Avenida Samora Machel (onde se encontra uma imensa estátua do herói moçambicano e, às suas costas, o edifício do conselho municipal), sendo que estas duas (deixei de lado as demais) ligam a parte alta da cidade ao porto, ao mercado, à estação de trem...
No percurso, como sempre acontece, fiquei pensando no papel desses homenageados na História desse país. Que representaram, como foi que catalisaram as palavras de ordem que permitiram, à época, mobilizarem-se na luta anticolonialista? Enquanto andava e meditava, passei por três soldados, armados de submetraladoras e, ao que me pareceu, vigiando a entrada de um prédio público.
Ao chegar ao final da Samora Machel, encontrei um de meus cafés favoritos e lá me sentei, repus a água perdida e comecei meu caminho de volta. Agora seriam só subidas...

Na volta me encontrei com os soldados e o estranho foi que um deles se dirigiu a mim pedindo dinheiro para matar a sede. Afirmando que não poderia ajudá-lo, que só havia saído para andar e que não tinha dinheiro comigo, vi que ele sorriu meio decepcionado. Continuei minha subida, um pouco bravo pelo fato de ser absolutamente constrangedor um soldado ostensivamente armado pedir dinheiro a um estrangeiro (no mínimo, relativamente branco) e enquanto pensava sobre isso, já de volta à 24 de junho, me deparei com um amontoado de carros estacionados na calçada, tão próximos uns dos outros que, a mim e a um grupo de turistas, nos obrigaram a caminhar pela pista de rolamento. Aí, uma senhora do grupo de turistas, muito branca e com sotaque francês, olhou para a placa da avenida que iríamos atravessar: Vladimir Lenine. Ela quase gritou ao pronunciar o nome de Lenin e, com surpresa e desdenhosamente, desatou a rir como se estivesse julgando os moçambicanos um amontoado de tolos. As duas cenas se atropelaram. Aquela senhora desrespeitosa parecia desconhecer que ela não passava de uma visita e que as visitas educadas devem, antes, tentar entender seus anfitriões e, se observarem algo sobre o que falar mal, devem aguardar para fazê-lo quando já se encontrarem em suas casa. Bem... concluí recarregando meus preconceitos: o turista é, no geral, uma figura desrespeitosa. Agora, enquanto escrevo, me lembrei que no caminho, dois outros soldados pediam a dois jovens loiros que apresentassem seus documentos. É preciso prestar atenção em ambos os lados dessa tensa relação.

sábado, 8 de março de 2014

Moçambique 1

Hoje, sábado, 8 de março de 2014. No Brasil ainda amanhece o dia, por aqui o sol já mostra que nos aproximamos da hora do almoço. Seriam simples detalhes se não fosse o fato da distância angular ser, somente, o registro geométrico das distâncias que me separam de vida cotidiana quase à beira do Atlântico e este meu trabalho esporádico à beira do Índico.
Já estou por aqui há três dias e, como sempre, cada movimento nesse ambiente me provoca à reflexão, me obriga a imaginar significados. Este é um esforço ao qual não me sinto obrigado em minha terra. Enganosamente, o sentimento de pertença parece nos oferecer quase tudo como se já justificado. O incômodo de estarmos no lugar outro e, portanto, no lugar do outro, sendo que, no final das contas, o outro é você, mexe com nossa cômoda geograficidade, nos obriga a pensar ou, ao que parece, como fazem os turistas, a se contentar com a perplexidade.
O primeiro fato a me chamar a atenção ocorreu no ônibus que nos transportava do portão de embarque número 21, do imenso aeroporto de Johanesburgo, para o avião da South Africa que nos levaria a Maputo. Ali, uma conversa em decibéis acima do razoável, nos (todos os passageiros no ônibus) obrigava a ouvir os primeiros contatos entre dois jovens brasileiros e um senhor cuja nacionalidade me confundiu. Ele falava um português muito arrastado – diferente da sonoridade comum aos moçambicanos – e afirmava já ter ido ao Brasil por 3 vezes, tendo conhecido o Rio de Janeiro, a Bahia e São Paulo sendo que tinha se identificado melhor com a cidade de Salvador. O espanto dos jovens foi evidente e, prontamente, eles se dispuseram a recebê-lo quando voltasse ao Brasil, sendo que um se declarava residente em São Paulo e outro em Belo Horizonte.
O senhor de fala arrastada sentou-se à minha frente e, a seu lado, um casal já relativamente idoso de alemães (ou, pelo menos, que se comunicavam entre si nessa língua). A surpresa foi perceber que, tal como em relação aos jovens brasileiros, o senhor desatou a conversar com o casal a seu lado e, ao que me pareceu, aqueles senhores de pele muito branca não se deixaram intimidar pelo negro que (me pareceu) falava a língua alemã com mais tranquilidade que o português, pois se expressava em decibéis mais adequados a uma conversa entre poucas pessoas.
Montado o quadro, percebi que o homem de bermuda e chinelo, sentado ao meu lado, com sotaque do português falado em São Paulo, me pedia a caneta emprestada: precisa preencher o formulário exigido pela polícia de fronteira em Moçambique. Contato feito, ele me conta que é pastor e que a senhora que o acompanhava também o era. A seguir, ao perceber que teria de registrar o endereço de onde ficaria hospedado e que não o sabia de cor, imediatamente entrou em contato com o senhor do banco da frente falante de português arrastado e alemão. Estavam todos juntos: o pastor, a pastora e o senhor poliglota.
Fiquei em silêncio. Afinal, quem seria eu que não fosse igualmente um certo tipo de pastor? Usamos livros aparentemente diferentes, é fato, mas o que se pretende é participar da luta política pela hegemonização de um certo tipo de vida. Quem seríamos todos nós que não representantes dos antigos sonhos, construídos pelos europeus e asiáticos, além dos árabes muçulmanos, de conquistar a África subsaariana?  Sonhos regados a sangue, miséria, escravidão e enganos, mas, igualmente, catalizadores da construção de uma nova noção de humanidade que, seja ela qual seja, confunde as centralidades, reposiciona os sujeitos, deixa menos linear e maniqueísta o significado de civilização.
A chegada a Maputo reposicionou as preocupações. Não me foi necessário nem mesmo cinco minutos para perceber que ninguém se lembrou de me pegar no aeroporto e que eu não possuía um metical (moeda local) sequer para pagar um taxi para o hotel. A solução foi fazer uso da casa de câmbio do aeroporto e, como sempre acontece nesses lugares, trocar moedas no pior ágio possível.
Na saída o motorista de um hotel guardou rapidamente a sua placa e se ofereceu para servir de taxista. 500 meticais, disse-me. Ah! Os hábitos! tentei entrar no veículo pela porta do motorista. Não me resolve pensar nisso por toda a viagem e saber que por aqui os carros seguem o padrão inglês, isto é, contrário ao nosso... o movimento é mais que automatizado.
No caminho a conversa se voltou para a guerra e seus sujeitos. O motorista, ex soldado da guerra civil, afirmava que um dos piores problemas de Moçambique se relacionava ao fato dos ex combatentes não conseguirem se ajustar à sociedade em tempos de paz. As escaramuças em Gorongoza (hoje um parque nacional no centro da província de Sofala), estavam associadas à necessidade dos homens que “pertenciam” à RENAMO (grupo armado que, financiado pela Rodésia e África do Sul, combateu a FRELIMO e tem suas bases no centro norte de Moçambique – hoje é o principal partido de oposição). De qualquer forma, disse-me o motorista, o parque está sob controle de americanos e eles farão a guerra parar quando tiverem interesse nisso.
Bem... enquanto procurávamos transpor uma aparentemente confusa aglomeração de automóveis (digo que é aparente, porque, no final das contas, consegue-se chegar ao destino sem grandes problemas – considere-se, no entanto, que tal comportamento dos motoristas, numa cidade como São Paulo, tenderia a provocar acidentes monstruosos), fomos conversando sobre a posição da França na República Centro Africana, os problemas no Egito, Ucrânia e Síria além da inflação na África do Sul. Sem dúvida, um motorista muito bem informado das notícias do dia.
Ao anoitecer, já no hotel, recebi a visita dos professores Ombe e Dgedge. Vinham diretamente do seminário para me desejar boas vindas e informar que o segundo dia de atividades ficaria exclusivamente sob minha responsabilidade. As minhas atividades daquele dia foram transferidas e encavaladas com as do dia seguinte. Paciência... a ideia que me dominava naquele momento era permanecer acordado, pelo menos, até as 10 de noite e, depois, conseguir dormir até as 7 do dia seguinte. Acontece que isso é uma operação de auto convencimento sempre muito difícil. Independentemente do movimento do Sol e dos comandos conscientes, o fato é que, de acordo com os hábitos, eu teria de dormir às 5 da tarde e acordar às 2 da manhã de acordo com o horário de Brasília.