terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PAISAGEM, TERRITÓRIO, REGIÃO 2


Antes que possamos a ler os textos de referência e, consequentemente, retirar ou identificar neles os pensamentos de um autor, é preciso que tenhamos, de alguma maneira, pactuado significados. Não há língua que não carregue consigo uma infernal gama de polissemias. Cada palavra, e aquelas que povoam os discursos acadêmicos com mais razão ainda, carrega consigo os significados que a geraram e, na sequencia, os significados que seus usos provocaram. Trata-se, de fato, de um terreno escorregadio. José Saramago, no primeiro volume de seus Cadernos de Lanzarote, numa página que já não lembro, nos convoca a “descarnar as palavras”, retirando delas suas coberturas e expondo-as em todo sua nudez (evidentemente que cito de memória) e, não podemos deixar de lado que, anos depois, ao escrever A Viagem do Elefante (na página 71 da edição brasileira), observamos a seguinte digressão:
“No cristianismo são quatro, meu comandante, com perdão do atrevimento, Quatro, exclamou o comandante estupefacto, quem é esse quarto, A virgem, meu senhor, A virgem está fora disto, o que temos é o pai, o filho e o espírito santo, E a virgem, Se não te explicas, corto-te a cabeça, como fizeram ao elefante, Nunca ouvi pedir nada a deus, nem a jesus, nem ao espírito santo, mas a virgem não tem mãos a medir com tantos rogos, preces e solicitações que lhe chegam a casa a todas as horas do dia e da noite, Cuidado, que está aí a inquisição, para teu bem não te metas em terrenos pantanosos, Se chego a viena, não volto mais, Não regressas à índia, perguntou o comandante, já não sou indiano, Em todo o caso vejo que do teu induísmo pareces saber muito, Mais ou menos, meu comandante, mais ou menos, Porquê, Porque tudo isso são palavras, e só palavras, fora das palavras não há nada, Ganeixa é uma palavra, perguntou o comandante, Sim, uma palavra que, como todas as mais, só por outras palavras poderá ser explicada, mas, como as palavras que tentaram explicar, quer tenham conseguido fazê-lo ou não, terão, por sua vez, de ser explicadas, o nosso discurso avançará sem rumo, alternará, como por maldição, o errado com o certo, sem se dar conta do que está bem e do que está mal...”

 Este é o terreno sobre o qual andamos e, certamente, escorregamos perigosamente. Todos os textos que serão apresentados, lidos, relidos, desmontados e remontados, exigem, sempre, explicações e, tal como podemos acertar de princípio, tais explicações se farão com mais palavras e o autor, que no presente caso sou eu, de forma relativamente prepotente estabelecerá limites, imporá recortes, dirá o quanto basta dizer sobre o que outros autores consideraram e deram, anteriormente, o seus bastas. Trata-se, portanto, de se realizar “in vitro” o dialética necessária à construção do conhecimento.