quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Moçambique: comentários, lembranças, perspectivas...

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 Neste momento já me encontro muito distante das terras moçambicanas e, por isso mesmo, me pareceu mais fácil fazer os comentários que aqui vão registrados. Mais fácil porque, olhar o mundo com a distância necessária para  sobre ele refletir, sem que dele tenhamos nos apartado, nos torna mais sintéticos, mais reflexivos. O cotidiano, na sua simples e pura cotidianeidade, para que possa ser observado, sistematizado e lido tende a se tornar novelesco ou, no jargão acadêmico, fenomenológico, ou, numa outra variante mais antiga, empiricista. Acontece que, como se pode afirmar utilizando-se outro jargão acadêmico, o que sempre se busca é a construção do conceito, é o entendimento do fenomênico e, fiquemos por aqui: o fenômeno, sem a teoria, é vazio de significado.
Assim, tendo tal distanciamento em mente e tendo por objetivo encerrar meus comentários e reflexões sobre mais esta viagem a Moçambique, volto a citar o “noticias” anterior, onde um dos meus mais novos amigos da Beira, o professor Suluda, me disse que os Moçambicanos pensam em uma língua e falam em outra. Tal como naquela ocasião, todo o esforço de compreensão se volta para o desvendamento desse mundo carregado de meios termos, de ambiguidades, de rupturas que procuram rearranjar o mundo das tradições tribais rearranjando o mundo das tradições capitalistas, ocidentais, de fundamento europeu.
É para dar mais um passo nessa perspectiva que relembro mais uma vez o prof. Suluda e o fato de termos (eu e Conceição) ido à festa de aniversário de Kilimani, a capital do distrito da Zambézia (vale lembrar, de imediato, que estávamos na cidade da Beira, capital da província de Sofala).
A princípio, enquanto nos dirigíamos para o local da festa, não sabíamos com clareza o que iríamos festejar. Conversas e mais conversas depois, descobrimos do que se tratava. Imediatamente voltei às tradições com as quais fui educado e que me servem de parâmetro e me fiz a seguinte pergunta sem qualquer resposta imediata: o que será que leva migrantes da província da Zambézia reunirem-se em festa para comemorar os 71 anos de sua capital, quando vivem em outra cidade que, por sua vez, é capital de outra província?
Chegando lá, tornou-se impossível não observar o movimento geral: cada família, com mesas devidamente demarcadas e espalhadas num grande salão, vai chegando com suas panelas, pratos, talheres, copos, bebidas e se cumprimentam efusivamente. Em pouco mais de uma hora o salão se encheu; vinhos, cervejas e refrigerantes foram sendo abertos, alguns discursos foram sendo proferidos (sempre realçando a presença dos “naturais e amigos da Zambézia que aqui trabalham e vivem em paz na cidade da Beira”) e a maravilhosa culinária vai sendo oferecida aos amigos – se entendi direito todos têm acesso às mesa de todos e, por isso mesmo, enquanto alguns se deslocam pelo salão, com um prato nas mãos e se auto servido da culinária disponível, outros se deslocam com travessas e panelas oferecendo as delícias que trouxeram de casa.
Aos poucos a música, que segundo me informaram era originária da Zambézia, vai contagiando as mulheres e elas se dispõem em círculo para dançar. Os homens se achegam em menor número e algumas músicas depois. Parecem mais tímidos... 
A festa toma conta do ambiente. Kilimani aniversaria na cidade da Beira e, como um mantra, a paz é realçada para aqueles que, zambezianos ou amigos da Zambézia (comecei a imaginar que nossa presença naquela festa já nos colocava, perante todos, na condição de amigos daquela província em que nem mesmo chegamos a conhecer), trabalham e vivem na capital da província de Sofala.
O realce me chama a atenção e, se bem compreendo, ao mesmo tempo que recepciona, abraça, aconchega, lembra que zambezianos não são da Beira e ambos os lados reafirmam identidades ancestrais que, ao realçar a paz, definem a assunção da diferença.
E foi em meio àquela alegria toda que passamos horas de verdadeiro deleite para os olhos (as vestes coloridas das mulheres formam um espetáculo à parte), para a gula (lembro-me bem de uma espécie de purê feito à base de feijão, das patas de caranguejo envolvidas em folhas de mandioca, do frango grelhado em leite de coco e de alguns caramujos pequenos que são coletados nos mangues), para os ouvidos (onde a música e o som das falas alegres enchiam o ambiente) e dali voltamos para a pousada trocando impressões sobre o evento, as quais se tornaram o ponto de partida para este texto.
Que elementos conceituais envolvem tal experiência? Para explicá-las volto à fala de Suluda, onde ele realça a diferença entre as línguas com as quais se pensa e a língua com que se fala, e me confronto com as multiplicidades de referências que se articulam em diferentes processos de identificação cultural e política – onde a família, o clã, a tribo, a ancestralidade enfim, definem alianças, compromissos, ajustes de contas, correlações de forças – enquanto a noção de que existe um Estado Nacional denominado Moçambique reúne partidos, ministérios, governos provinciais e municipais e matriciam o formato das relações internas com os demais países e definições do capitalismo global.
É nesse contexto que uma outra variante vai se consolidando: a dimensão do urbano. Que tradição tão forte pode ter uma cidade de 71 anos para reunir seus filhos em outro lugar do país numa festa tão cheia de alegrias (obviamente que este é o olhar daquele que não pertence diretamente ao processo)? Sob os parâmetros com os quais cresci e fui educado, diria que absolutamente nenhum. Mas ali os meus significados parecem ter pouco ou nenhum valor. Trata-se de juntar pessoas sob justificativas e condições identitárias que envolvem o Estado (e suas cidades, províncias, capitais) e as relações étnicas e seus referenciais de solidariedade, resistência, familiaridade que se expressam na música, na dança, na culinária, na língua (das conversas e não dos discursos).
Alguns dias depois, conversando e discutindo projetos de pesquisa com Raimundo Mulhaisse  (no momento responsável por um dos centros de pesquisa pertencentes à Universidade Pedagógica) um tema veio à baila e me obrigou a retomar toda a reflexão: tratamos do movimento geral que, iniciado com a independência, vai definindo a dinâmica vivida, por tantos e tão indefinidos moçambicanos, entre as aldeias e as cidades.
Samora Machel, em busca da construção de uma política pública capaz de atingir a parcela de pessoas que viviam em aldeias espalhadas, distantes uma das outras e relativamente pequenas, estimula a formação de aldeias comunais e o desenvolvimento da urbanização. Acontece que tal processo, com a guerra, juntou pessoas mas não uniu recursos. Mais que isso, desagregou relações que no espalhamento territorial das aldeias eram cotidianas, mas na reunião  “comunal” reduziram o poder das mulheres, tirando-lhes o controle da cozinha e da machamba (roçado) e, com isso, redefiniram pactos societários milenarmente construídos.
Com o fim da guerra, parcelas dessas populações voltam para a beira dos rios, mas, agora, como produtores de mercadorias (como os produtores de carvão e de blocos de construção), provocando a aceleração da destruição da mata e o assoreamento dos rios.
Enquanto Raimundo Mulhaisse me explicava o fenômeno veio-me à memoria o trabalho de meu ex-aluno Canda, quando nos mostrou que, em algumas tribos do sul, os pequenos jovens são levados, no período das férias de verão, para a experiência de se tornarem adultos e, para tanto, além de escutar as histórias da tribo, experimentam relações de superação e solidariedade que devem marcar a vida de um homem digno. Ao final recebem um novo nome, aquele pelo qual deverão responder a partir de agora. Um novo batismo para deixarem de ser crianças. Vale lembrar que, na contramão do processo, o Estado já registrou aquele (agora adulto) jovem com seu nome de criança e, no retorno às aulas, o professor irá chamá-lo pelo nome de infância. Para não voltar a ser criança ele permanece em silêncio..., e está montado o quadro da confusão.
Aldeias comunais, a guerra civil, os ritos de passagem, a escola, as línguas, as migrações, as memórias, os significados: esses são, somente, alguns poucos exemplos da construção do Estado que se materializa nas relações de fundamento tribal que, ao se difundirem enquanto território, redefiniram a noção de pertencimento ou, o que é o mesmo, a geograficidade reconhecida por todos e cada um.
Façamos, agora, uma pequena e mais que parcial lista do que mais me chama a atenção:
·      Cahora Bassa (uma das maiores usinas hidroelétricas da África),
·      a Mozal (indústria de alumínio de capital canadense e, se não me engano, australiano),
·      a presença de chineses que usam a força de trabalho de seus presidiários para disputar o mercado da construção civil,
·      a Vale que tem se tornado uma das maiores empregadoras do país, denunciada sistematicamente pela maneira com que tem tratado os povos que insiste em deslocar ou os problemas ambientais (seja isso o que quer que seja) que vem criando;
·      iniciando nos próximos meses, dentro do projeto “pró-savana”, brasileiros envolvidos com a produção agropecuária do nosso cerrado vão tornar a parte da savana moçambicana um novo território do agro busines e das commodities,
·      sem que possa me esquecer das milhares e milhares de toras de madeira que vi armazenadas em depósitos à beira da estrada que une a capital de Sofala às principais rodovias do país.

E, reunindo os quadros que procurei descrever nos primeiros parágrafos com as imagens construídas por tais empresas ou processos, o que se observa é que os sujeitos envolvidos vão se multiplicando, vão tornando a materialidade Estado/Sociedade uma correlação de forças com ingredientes muito especiais, por vezes incompreensíveis para os moldes do que chamamos de capitalismo mas, mesmo assim, capitalismo.
Relembrando o texto de Ruy Moreira sobre o Movimento Operário e a Questão Cidade/Campo (Vozes, 1985) e das dificuldades de meus alunos em compreenderem a diferença entre subsunção formal e real e o significado de “acumulação primitiva”, tais categorias (e seus conceitos) me vêm em socorro, mas, da mesma maneira que em relação ao Brasil, também para a realidade moçambicana merecerão novos e amplos debates. A paisagem é suficientemente eloquente para não permitir que nos enganemos em fórmulas fáceis. A explicação que aprendi em meus tempos de graduação e que justificavam os dilemas africanos na arbitrariedade das fronteiras traçadas no processo colonial sempre me deixou subjacente a pergunta desconfiada: e se os colonizadores tivessem respeitado a territorialidade tribal? Os problemas seriam menores?
Quais seriam, de fato, os elementos que compõem esse aparente caleidoscópio, onde, a cada giro, um conjunto inesperado de formas enchem de cores e linhas os perplexos olhos infantis?
No último dia, horas antes de me dirigir ao aeroporto, caminhando em Maputo pela 24 de Julho, eu e Conceição fomos nos despedir da cafeteria que preencheu as nossas manhãs. Foi ali que observei, pendurados nas árvores, alguns dos tantos sacos plásticos pretos que sobrevoam pela cidade quando os ventos se tornam mais fortes. Lá estavam eles, em seus variados tamanhos, como flores pretas  que realçam e escondem folhas verdes e galhos acinzentados, lembrando que nas ruas da antiga Lourenço Marques se materializa, agora, a cidade de Maputo, capital de um país livre de Portugal – estranha apologia do capitalismo mercantil e seu cisne morto – e co-partícipe do movimento geral que só podemos chamar de imperialismo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Os moçambicanos pensam em uma língua e falam em outra


Quando chegamos à Beira revi um ex orientando (e agora amigo) Raimundo Mulhaisse e o coordenador do programa de pós, o professor Suluda.
Lembro aqui a frase de Suluda que, imediatamente, registrei para reflexão: “os moçambicanos pensam em uma língua e falam em outra”. Eu completaria: os moçambicanos pensam em mais de trinta línguas e falam somente em uma e é com base nesse princípio que nós, os professores brasileiros, devemos entrar nas salas de aulas.
Voltas e voltas pela cidade e, novamente, me defronto com uma praça (trata-se de uma rotunda ou, como dizemos em São Paulo, de uma rotatória) que exibe majestosamente em seu centro uma garrafa da Coca-Cola. Ela não disputa com qualquer outra figura e, efetivamente, poderia ser entendida como uma homenagem, se não soubéssemos que os custos dessa “obra de arte” foram financiados pelo “homenageado”.
De qualquer maneira, como chegamos em torno das 21 horas, a cidade parecia calma ou, como se comentou naquele momento: Beira é uma cidade diurna.
O dia seguinte foi marcado pelas homenagens à cidade. Um feriado que mereceu um grande desfile na “Praça da Cidade” com direito a banda militar, danças locais, apresentação de motocicletas e desfile equestre. Enquanto o desfile circula a praça, as autoridades observam tudo com ares que só as autoridades de todo o mundo conseguem expressar ou, em outras palavras, não há surpresas em toda a movimentação.
Alguns minutos depois sentamo-nos num café e conhecemos uma dupla de arquitetos portugueses procurando caminhos que podem ser mais produtivos na África que na Península Ibérica. Como uma espécie de cacoete profissional, estavam fotografando o estilo arquitetônico que marcou a presença de um outro arquiteto português nos idos dos anos 60 e 70.
 Na manhã seguinte uma visita à orla e, estarrecido, vi-me frente a frente com o que restou de um majestoso hotel (o Grande Hotel) que, com a independência, foi invadido pelos que buscavam um lugar melhor para viver. Fico a tentar adivinhar o que será que, naqueles dias, povoou a imaginação daquele povo. O que será que significou poderem dormir naqueles quartos de hotel cinco estrelas e, como e porque, tudo foi se deteriorando, tornando-se a paisagem que marca algumas das cenas mais longas do filme “Língua Portuguesa”.
Andando às tontas pelas ruas resolvemos pedir ajuda e um senhor (de sobrenome Americano) que, surpreendentemente, nos pediu para esperar. Minutos depois tira seu automóvel da garagem e nos convida a entrar. Rapidamente nos conta que já está chegando aos 90 anos e, dirigindo sem quaisquer dificuldades, nos leva a passear pela orla, nos apresenta a praça recém inaugurada em homenagem a Samora Machel, nos conta historias e nos leva de volta ao centro.
Realmente Beira é uma cidade diurna. O movimento de pessoas e veículos é intenso por aquelas ruas. Enquanto os olhos vão se acostumando à presença dos edifícios que há muitos anos não recebem uma pintura externa, no amontoado de grades que os cercam vê-se roupas a secar e, vez ou outra, alguém lançando dos andares mais altos algo que já não mais lhe serve.
Pelas ruas chamam a atenção algumas estudantes que têm como uniforme uma saia verde que lhes toca os pés. A escola era relativamente próxima de onde estávamos e as meninas não pareciam incomodadas com a vestimenta: sentada na calçada, algumas conversavam alegremente.
Algumas horas depois as aulas começaram... mas vamos deixar esse assunto para outro dia. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Noticias de Maputo


No momento estou em Moçambique, mais precisamente em um hotel na avenida 24 de julho, em Maputo. Aqui já nos aproximamos das 10 horas da manhã e isso me faz lembrar que em São Paulo os relógios se aproximam das 5.
As notícias do mundo não são muito boas. Os escândalos da taxa Libor parecem buscar caminhos para as manchetes dos jornais e a crise se alonga, por entre os dentes ferozes da corrupção, enquanto a policia sul africana mata dez mineiros num confronto de resultados inexplicáveis para o pós apartheid.
Num olhar rápido sobre a cidade o que observo é que as ruas estão mais limpas, as máquinas estão presentes em algumas delas refazendo o asfalto e diminuindo o aspecto lunar das pistas de rolamento, os vendedores de rua – quase sempre insistentes – diminuíram em número e incisividade enquanto a mais nova empresa de telefonia celular parece ganhar legitimidade (uma joint-venture entre a FRELIMO e uma empresa vietnamita) pela qualidade dos serviços, os edifícios públicos vão tomando conta da paisagem tanto na cidade baixa quanto nas grandes avenidas (como a 24 de Julho e a Julius Nyerere), tornando a presença do Estado algo mais e mais ostensivo e, por fim, a quantidade de automóveis se multiplicou exponencialmente e, com eles, um trânsito caótico onde pedestres e automóveis se confundem, as calçadas tornaram-se estacionamentos públicos, os motoristas nervosos gritam, buzinam, questionam-se uns aos outros e a vida segue como se nada muito grave esteja acontecendo.
Enquanto isso, já no seu último dia, meu curso de teoria e método foi se realizando. Trata-se, sempre, de uma experiência carregada de surpresas (de ambos os lados) e muito exigente. A ausência da bibliografia e do hábito sistemático da leitura acadêmica transforma o curso em algo tenso e maravilhoso onde as emoções e a experiência de vida de cada um de nós vai se transbordando para dentro do debate. Preciso incorporar o espírito de Mia Couto para contar tal aventura e, ao que parece, ele não está disponível.
Dentro de mais alguns dias tudo vai recomeçar na cidade da Beira. Outros alunos, outras culturas, outras emoções. Não me recordo de ter experimentado, em quaisquer outros trabalhos que tenha realizado, tanto cansaço ao final de cada aula e, ao mesmo tempo, tendo produzido tanto... Trata-se da minha antinomia pessoal.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Caros amigos,
Segue o conjunto de links do que consegui gravar do XVII ENG.

O primeiro reproduz os debates que fizemos em torno do livro A Reinvenção do Espaço

http://www.mediafire.com/download.php?bbn9g9606qsh8s1

Os três seguintes se referem à mesa de encerramento do Encontro:

A fala do
Paulo Cabral
http://www.mediafire.com/download.php?8gsd71k2p12qh2e

Alexandrina
http://www.mediafire.com/download.php?fd0xt091o81pvzb

Douglas
http://www.mediafire.com/download.php?7kue3qeyi2yz0yp

Espero que possam baixar em seus computadores e ouvir com alguma clareza.


terça-feira, 17 de julho de 2012

De quando os arquitetos passam os geógrafos

http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/files/2012/07/carla-caffe03.jpg

Uma Esquerda de Funcionários: explicações preliminares (2a. parte)


Nesse final de semana recebi duas observações sobre os textos que tenho publicado neste blog e que me chamaram a atenção: elas me informaram que os textos são demasiadamente complexos e, até mesmo, incompreensíveis.
Fiquei tentando imaginar que razões levariam meus amigos a terem tanta dificuldade em compreender coisas que para mim são tão claras e, considerando as diferentes variáveis colocadas “sobre a mesa”, conclui que o problema está (ou os problemas estão) associado(s) ao fato dos artigos pressuporem nos leitores alguns conhecimentos prévios que, de fato, poucos possuem. São poucos porque a maior parte não pertence à minha geração, ou porque não se dedicaram a refletir junto à tradição marxista o significado do sindicalismo ou, ainda, porque não se dedicaram a desvendar o significado de Brasil... e, a cada instante, novas e mais amplas determinações vão me passando a limpo.
Não há o que lamentar. Trata-se de simples constatações. Há poucos dias, num programa da TV Cultura, tive o prazer de rever Francisco de Oliveira, uma de minhas fontes inesgotáveis de reflexão sobre o Brasil. Fiquei surpreso quando um dos jornalistas pediu-lhe que identificasse as razões para que, na fase atual de nossas reflexões acadêmicas, o Brasil tenha deixado de ser um tema. Fiquei surpreso porque, afinal, a ausência está se tornando tão importante que está se tornando presença. É preciso recolocar o Brasil na pauta (e a constatação de que ele está fora da pauta é um dos movimentos necessários para que se constate que ele já está na pauta – eis minha singela homenagem ao texto “Presença e Ausência de Henry Lefebvre). De qualquer maneira, as novas gerações estão distantes desse debate e as dificuldades na leitura desses textos bem podem ser localizadas (para além das dificuldades daquele que escreve) nessa carência generalizada.
Volta à memoria, ainda, as falas de Ruy Moreira no Encontro da AGB em Porto Alegre, onde ele lamentava que em um encontro de Geógrafos Brasileiros, em pleno ano de eleições presidenciais, o Brasil não era tema explícito na programação.
Agora, quase dois anos depois, durante o seminário em que tive o prazer de participar – ocorrido há poucos meses na PUC-SP, com a centralidade temática nos trabalhos de Ruy Moreira – chegamos a nos questionar se, de fato, o Brasil existe. A pergunta, aparentemente ingênua, carrega consigo algumas outras de profundidade abissal, e a primeira delas deverá buscar respostas nas relações entre a existência do Estado Nacional chamado Brasil e a possível existência de uma formação econômica e social identificada, de forma igualmente genérica, chamada de povo brasileiro.
Bem... deixemos tudo isso para textos que ainda deverão ser escritos. Aqui e agora, constatar a carência já nos basta, mesmo que tenha ficado para trás a resposta dada por Chico de Oliveira, pois, no final das contas, é a pergunta do jornalista que nos interessou aqui.
Estávamos nos referindo, e aqui continuaremos, aos motivos e consequência da transformação de parte considerável da militância da esquerda brasileira em funcionários de confiança na “máquina de Estado”.
Para que possamos compreender a importância do fato temos de retomar algumas leituras do significado de “esquerda” no transcorrer dos anos 60 e 70 no Brasil. Em outras palavras: quem éramos nós nos tempos da ditadura militar?
Trata-se, como sempre acontece nesses casos, de uma só pergunta com infinitas possibilidades de respostas. A expressão “esquerda” é, como todas as expressões importantes, demasiadamente polissêmica. Para evitar respostas demasiadamente simples como “esquerda é o conjunto de indivíduos que possuem ideias menos à direita que aquelas que hegemonizam o governo militar” e, por isso mesmo, deixaríamos de olhar para nós mesmos e nos colocaríamos para ser identificados pelos nossos inimigos (pode parecer estranho, mas naquela época tínhamos inimigos), vou delimitar nossa construção conceitual a alguns pontos básicos onde, creio, caberá parcelas significativas da igrejas – em movimento decrescente; parcela menos significativa do movimento sindical – em movimento crescente; e os diferentes grupamentos – clandestinos ou não – que militavam pela derrubada da ditadura, tendo como referência perspectivas de caráter marxista (latu-sensu) ou anarquista ou, ainda, no campo da social democracia e da chamada teologia da libertação.
O que, no meu entender, une a todos esses grupos no campo da esquerda, não é o fato de serem pessoas desgostosas com o governo militar, mas, muito mais que isso, por se tratar de pessoas que, de uma maneira ou de outra, militavam pela derrubada daquela ditadura e o faziam a partir de ações dirigidas a organizar a sociedade civil – em grupos de diferentes tamanhos, perspectivas, práticas políticas – criando outros mecanismos e perspectivas de poder político, centrados no esvaziamento da legitimidade social daquele governo.
Trata-se, portanto, de pessoas filiadas a diferentes ideologias que, de armas na mão ou legitimados pela condição de serem sacerdotes ou, simplesmente, porque se reconheciam como lideranças políticas em bairros, paróquias, fábricas, plantações, grupos artísticos e, nessa condição, dedicavam-se a minar a capacidade política da chamada “direita”.
Nós, a esquerda, roubávamos bancos, treinávamos para a guerrilha, dirigíamos cultos, distribuíamos hóstias,  compúnhamos e tocávamos músicas, pintávamos quadros, elaborávamos, dirigíamos e apresentávamos peças teatrais. Mais que isso, nos reuníamos nos bairros, nas favelas, nos guetos de toda ordem, além de cochicharmos nos banheiros das fábricas e das escolas ou nas filas dos relógios-ponto, enquanto outros de nós, com cara de estudantes, fazíamos discursos inflamados nas salas de aula denunciando as mazelas dos vestibulares, das misérias urbanas e agrárias ou dos vínculos indecifráveis de alguns professores com a polícia política.
Vale realçar que parte de todos nós estávamos organizados em coletivos clandestinos que definiam os parâmetros e as ações políticas que seriam desenvolvidas, enquanto outros, desconhecendo ou rejeitando tais práticas, não se furtavam em se articular socialmente um busca da construção de um outro Brasil, sem esquecer daqueles que viam nas suas ordens religiosas a maneira pela qual tornariam suas ideias as ideias de um coletivo.
Expressões como Trotskismo, Leninismo, Maoísmo, Teologia da Libertação, Revolução Cubana e tantas outras, se tornaram referência para aqueles que lutavam, uns com os outros, uns contra os outros, todos para hegemonizarem o processo de derrubada da ditadura. As fissuras entre os grupos existiram de fato, mas o certo é que foi essa a esquerda que conseguiu organizar os sindicatos, o movimento estudantil, a construção de novos partidos e tantas outras ações que, somadas ao esgotamento do projeto econômico dos militares e seus intelectuais, derrubaram e deram por encerrada a fase militarizada da violência política interna.
Muitos foram torturados, presos e/ou exilados, mas muitos outros não o foram, e o mais importante é que, de uma maneira ou de outra, a existência dessa esquerda definiu os passos que constituiriam o Brasil que hoje conhecemos.
Mas, o que será que isso significa? O que é o Brasil que hoje conhecemos?
Se não nos esquecermos que a “esquerda” como identidade genérica, é composta de diferentes leituras de mundo e que é dessa diversidade de posições que se constroem diferentes perspectivas, práticas políticas, ordenações éticas e morais e assim por diante, o fim da ditadura permitiu a todas essas leituras que amadurecessem publicamente suas posições. Alguns grupos simplesmente desapareceram (como, no caso, a organização em que militei), outros se consolidaram como partidos políticos, os movimentos pentecostais esvaziaram a esquerda religiosa e, rapidamente, dois fenômenos se agrupam numa única construção: o primeiro pode ser identificado pelo movimento que levou os militantes que se encontram espalhados pelos bairros, pelas paróquias, pelas reuniões de entidades estudantis ou sindicais a serem convocados a participar dos governos de esquerda e a tornarem suas perspectivas em proposições oficiais. Na rabeira desse processo, o sindicalismo se torna, não só juridicamente, mas igualmente como prática política, uma grande estrutura burocrática também associada aos mecanismos de financiamento e direcionamento de Estado.
Num primeiro momento, poder-se-ia imaginar que tudo ocorreu, num único momento, com todos os grupos e pessoas que cabem nesse conceito de esquerda que está aqui sendo utilizado. Seria um engano grave imaginar tal situação. Homens como Fernando Henrique Cardoso vão orquestrar esse movimento de cooptação associando-se àqueles que, de uma maneira ou de outra, consideravam ser uma esquerda legítima, e o mesmo se dará a seguir com os novos prefeitos, governadores e presidentes cujas bases políticas estão associadas diretamente aos seus históricos nessa mesma esquerda.
Cada uma dessas figura assumiu o poder apoiado por diferentes grupamentos esquerda e tem nesses grupos suas bases de apoio mais imediatas. Para pequenas prefeituras, pequenos grupos mais ou menos coesos, para grandes máquinas administrativas, amplas alianças onde, como diriam alguns guerreiros no século XIX – os inimigos de meus inimigos, são meus amigos e, portanto, nada mais simples que visitar amigavelmente a casa de Maluf, aperta-lhe as mãos e afirmar que tudo isso é feito por uma boa causa: colocar no poder da metrópole paulistana outra esquerda que não aquela que  atende pelo nome de PSDB.
Nossos funcionários são melhores funcionários que os funcionários dos outros. Essa é uma premissa que, aqui verdadeira, ali falsa, vai retirando do debate o que ele deveria ter de mais fundamental: o fato de que todos os projetos, de todas as esquerdas, não conseguiram ir muito mais além que ampliar a eficácia do modo de vida contra o qual todas nasceram, cresceram e, finalmente, se subordinaram.
Melancólico? Ainda não... só o segundo passo da discussão.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Uma esquerda de funcionários - explicações preliminares (parte 1)




É importante colocar em evidência esse processo de transformação da militância de esquerda em funcionários de Estado. Trata-se, de fato, de algo muito mais complexo que as que geraram o Estado Keynesiano, a Social Democracia ou as proposições genéricas de socialismo tornaram comuns no pós guerras do século passado. Trata-se de um fenômeno antevisto pelas facções de direita da Igreja Católica na Polônia do “Solidariedade” com o único e radical defeito de, naquela época, a necessidade de se fazer apologia à ruptura do pacto com o modelo soviético, exacerbar justamente os grupos de extrema direita.
De qualquer maneira vale realçar que, numa mesma década (esta que estamos vivendo), o continente americano colocou em posição de destaque aqueles que representavam os demônios do imaginário de suas elites: um militante sindical de esquerda no Brasil, um ex guerrilheiro no Uruguai, uma mulher no Chile, outra no Brasil e outra na Argentina (único país que já havia experimentado tal processo político), um índio na Bolívia, um negro nos EUA..., além de ter visto o declínio físico de Fidel sem que conseguisse retomar Cuba e de viver o cotidiano venezuelano como um ritual de exorcismo que se repete ad nauseam.
Quando pensamos exclusivamente no Brasil – que é o que, de fato, nos interessa – alguns comentários preliminares se fazem necessários e buscarão esclarecer certos posicionamentos expressos no texto em que procurei discutir a relação entre Lula e Maluf.
Um rápido olhar para a História brasileira e veremos que a relação entre o Estado e os nossos intelectuais carrega séculos de ambiguidade, onde exclusão e tentativas individuais de cooptação criam uma associação quase automática entre intelectuais e marginalidade. Claro, isso não foi o destino de todos (me vem à memoria, nesse momento, a figura de Rui Barbosa e as maneiras pelas quais conviveu com o poder de Estado), mas os intelectuais do império e da república que se associaram diretamente ao poder de Estado foram poucos e, no geral, não se projetaram nem se legitimaram socialmente.
Quando, de memoria, tento fazer uma lista dos principais intelectuais brasileiros do século XX figuras como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Paulo Freire, Milton Santos, Florestan Fernandes, Monteiro Lobato, Oduvaldo Vianna Filho, Chico Buarque de Holanda, Vinícius de Morais... e a memória transita entre a semana de 22 e os vários projetos de universidade que se foram construindo naquele século, além da criação e do desenvolvimento da teledramaturgia, da chamada música popular brasileira, das pesquisas em física teórica, na arquitetura e, mesmo, na Geografia.. e tantos outros caminhos mais ou menos sinuosos, o que fica de certo é o profundo estranhamento da maioria deles com as máquinas de Estado, principalmente quando nossos governantes se aproximaram e se assumiram no interior dos diferentes formatos de fascismo que aqui e ali marcaram fortemente o período.
O que não é difícil é identificarmos que o Brasil é, para a maioria deles o tema preferido. Mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, num exemplo paradigmático do significado de “unidade do diverso”, marcados pela fragmentação interna ditada por pequenos grupos de oligarcas (muitos dos quais se aproximam da máquina de Estado pela via da Guarda Nacional e, literalmente, com o transcorrer do século criam uma unidade de extrema direita a partir da associação do sistema banqueiro com o Estado e a gestão de ambos pelos próprios oligarcas) e pelas tentativas de construção de algum tipo nacional de resistência (onde Canudos, Ligas Camponesas, Coluna Prestes, MST, Igrejas, organizações e partidos de esquerda são somente alguns dos exemplos) não poderiam ser mais que um tema de extremo interesse para todos eles.  
A importância dos intelectuais foi percebida – a genialidade política desse homem é incontestável – por Getúlio Vargas. Cria uma máquina de Estado associada a um país que ainda não existia. Dois de seus principais pilares estão no Ministério do Trabalho – com o objetivo de ministeriar a minoria dos trabalhadores – e o Ministério da Educação – que ministeriaria a minoria da população em idade escolar. Ambos se voltaram ao controle das relações capital-trabalho típicas das ordenações urbanas, num país que possuia mais de 75% de seus habitantes associados à vida no campo e aos hábitos da ruralidade que, naquela época, ainda mal saía das relações escravistas.
Lembremos, rapidamente, que é dessa época a criação do IBGE e, portanto, a institucionalização da construção discursiva sobre o significado de Brasil.
Getúlio, no entanto, teve de enfrentar o integralismo, a Coluna Prestes, parte considerável da imprensa carioca e, ao mesmo tempo, viu florescer em seu projeto um movimento migratório que redefiniu os significados de cidade e campo como configuração territorial do país e, concomitantemente, o campo vai se tornando o arquétipo da injustiça social, da seca, das variantes do cangaço, dos desmandos do coronelato e do lugar perdido do migrante que, em voz alta, faz apologia ao luar do sertão, mas se garante como trabalhador urbano na construção civil e, a seguir, nos desdobramentos acelerados da expansão do parque fabril.

Creio que podemos, assim, eleger Brasilia como o primeiro e efetivo movimento de cooptação da esquerda brasileira no comando de um projeto de Estado. Niemayer, já reconhecido como um grande arquiteto, trazia de negativo em seu currículo certas relações com o Partido Comunista, o isso não foi suficiente para impedí-lo de tornar-se o mais recente criador de uma cidade inteira que tem por objetivo ser, ao mesmo tempo, o monumento e o espaço funcional do Estado. Mais que uma escultura, mais que instalações, forma e objetivo se fundem enquanto cotidianeidade.
Vista de cima se percebe seu formato de avião, valendo realçar que o palácio presidencial no lugar da cabine do piloto nos faz pensar que o monumento tem o requinte de fazer apologia ao presidencialismo como forma de governo, garantir o corpo do avião como o lugar da tripulação e, estranhamente, coloca os passageiros no interior de suas asas.
Veio mais uma ditadura – agora chamada de “a ditadura militar” – e a esquerda foi, novamente, colocada no ostracismo. Junto com parte considerável do mundo, o Brasil vai viver, ao seu jeito, a superação dos valores sociais do ruralismo em nome da consolidação das relações tipicamente urbanas. Assim vivemos as nossas pílulas, as nossas mini-saias, os nossos rock-and-roll, o nosso maio de 68. Os nossos hippies são mais nossos e têm o sabor da tropicália.
E, para não me alongar mais, vieram os Fernandos (o Collor e o Henrique), sendo que o primeiro tem, na sua passagem meteórica, a marca de ter construído o caminho do segundo. E o segundo (ufa, consegui voltar ao assunto!!!) consolida a ideia de que entre a ditadura e a democracia a diferença está em retirar a direita e colocar a esquerda na lista dos funcionários. Assim, num primeiro momento, o ministro intelectual se acerca de intelectuais, constrói frases com raízes na sociologia para criticar a parte da esquerda que queria ver enfraquecida e inicia um processo de cooptação que vai criar os novos comandantes do planejamento, da educação, da gestão de estado do movimento sindical e assim por diante.
Assim, uma parcela da esquerda, acostumada a fazer seus discursos por “entre as pregas” também aqui não precisará frequentar os palanques: vai falar suas verdades como se verdades de estado verdades fossem.
Os exemplos, se aqui eu estivesse com a intenção de lista-los, nos levariam ao infinito. Ficarei, no entanto, com somente um - aquele com o qual, de alguma maneira, precisei conviver - : as chamadas diretrizes curriculares (as quais, dependendo do nível de ensino, denominaram de parâmetros) e seus desdobramentos, como o novo formato de escolha de livros didáticos do PNLD.
Procurando uma articulação entre cada um dos passos do processo, esquematicamente teríamos:
·      a LDB (e a derrota da esquerda militante para o agora funcionário senador Darcy Ribeiro),
·      os parâmetros curriculares (e o fato de, de dentro das universidades, se contratarem funcionários que tornariam suas leituras de cultura, escolaridade e ciência as verdades de Estado que devem ser seguidas pelos intelectuais que habitam as “asas do avião”),
·      e as escolhas do PNLD, onde leitores privilegiados, igualmente escolhidos entre os acadêmicos, substituem os professores na escolha dos livros que serão oferecidos nas escolas, tendo por pressuposto que o profissional que vai utilizá-lo, mesmo sendo oficialmente formado para o oficio, não possui formação cultural suficiente para fazer escolhas.  Eis que o carimbo de ter sido escolhido pelo MEC dá ao livro e a seus autores a legitimidade que antes não possuíam.
É com articulações desse tipo que se percebe o como e o quando se deu e se dá o movimento de democratização do Brasil. Nada se fez (e se faz) sem que se desse (e se dê) garantias à direita (para não nos esquecermos, vale realçar a noção de anistia contra a qual ainda se luta e na qual igualmente se guardam os mesmos parâmetros) com o acréscimo de que, a partir da democratização e em nome dela vai se ampliando o espectro de intelectuais de esquerda que vai colaborar com este movimento geral.
Tudo isso, sem dúvida, merece debates e revisitas, mas deixemos que essas provocações ainda iniciais façam seu caminho por entre os gostam do tema e que queiram me alertar para os insustentáveis problemas que este texto provavelmente possua.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Brasil, o Pt, o Maluf – crônicas quase possíveis.


Trata-se de uma experiência. Quando 1989 nasceu, tinha início um ano que deve ser permanentemente revisitado. Luiza Erundina assumia a Prefeitura da cidade de São Paulo e, não creio que tenha sido obra do acaso, assumi a superintendência do Centro de Treinamento da Companhia de Engenharia de Tráfego da mesma cidade.
Creio que tanto eu quanto ela – mas, muito mais eu que ela – iniciávamos uma relação com o que chamarei aqui de “máquina de Estado” e que nos marcaria indelevelmente. A nós e a muitos como nós. Naquele ano, para não me perder em meio às necessárias restrições escalares, parte considerável da região metropolitana passou a ser administrada pelo PT e nós deixamos a desconfortável condição de militantes do chamado movimento popular e nos tornamos funcionários de Estado em nome do movimento popular.
Minha trajetória, muito mais curta que a da maioria, terminaria 10 meses depois. Muitos dos companheiros daqueles tempos continuam seu caminho nessa ambígua ante sala entre a condição de militante e a de funcionário. Mas, só marginalmente, isso terá importância nesta quase crônica.
O que 1989 nos mostra, mais que militantes de carteira assinada é o avanço de um tipo muito específico de relação rumo ao Estado: aquela que se define pelos parâmetros do movimento sindical e que, naquela época, mimava e minava o governo Erundina.
A lógica do sindicalismo se fortalece como alternativa política e toma conta do PT enquanto uma forte corrente interna. É o sindicalismo e, portanto, os sindicalistas e suas perspectivas que darão o mote geral do processo e é nesse movimento que teremos Lula presidente.
A logica sindical toma conta da máquina federal e amplia substancialmente o número de funcionários. O que nos levaria a outra crônica é a constatação do papel do Estado como legitimador das fragilidades discursivas da esquerda. Iniciado no período FHC/Erundina (não me engano no jogo escalar) os marginais da ditadura militar se tornam situação, e como tais abandonam a disputa pública da legitimidade e se apropriam da condição de falar em nome do Estado como se isso os legitimasse a priori.
Mais que FHC, e, por isso mesmo, muito mais que a ideologia da oligarquia paulista, o sindicalismo conquistou a condição de tornar, definitivamente, o Brasil um país capitalista. O que torna incontestável o papel de Lula como estadista e a marginalização da esquerda como projeto de sociedade. De qualquer forma, a figura máxima desse processo sobrevive aos caçadores de direita (como parte considerável da grande imprensa) e ao “fogo amigo” dos militantes com carteiras assinadas.
Sobrevive a tal ponto que foi capaz de tornar Dilma Russef a presidenta eleita que, sem o carisma do nosso estadista, acaba realizando a prática moral que tenta manter à distância os chamuscamentos do “fogo amigo”.
Acontece, no entanto, que o sindicalismo e sua lógica parece se apossar de algo para além do caminho que conheceu tão bem: a mediação política. Aparentemente blindado, o Aquiles brasileiro tem se esquecido de proteger seus calcanhares. Imagina que poderá fazer de Haddad outra Dilma e para tanto aperta as mãos de Maluf como se imune fosse aos venenos do inimigo.
Fico a pensar: será que, finalmente, Maluf conseguiu derrotar Lula? Sem tropas, sem polícias, sem torturas: somente com uma promessa de 90 segundos a mais na TV.
Interessante. Até o momento, no país dos funcionários, o emprego da militância parece se garantir pela fantasia de que a lógica sindical está acima de qualquer suspeita. Acontece, no entanto, que tal como de outras vezes, a visita a Maluf tem o formato acabado da traição política, sem carregar consigo a mediação do estadista.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Notícias da Antiguidade Ideológica



Depois de ler o texto de Cláudio Benito de Oliveira Ferraz - Professor da UNESP - Presidente Prudente, onde ele se "digladiava" com a urgência de sistematizar as fortes impressões que o filme Notícias da Antiguidade Ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital (Versátil, 2011), que o cineasta alemão Alexander Kluge provocou com suas quase 9 horas de duração não resisti e, tal como ele, me dediquei a assistir esse magistral e incômodo exercício cinematográfico.

Poesia e teatro, entrevistas e balé, exegese e delírio e os personagens citados no título vão tomando conta de uma trama que só a retomada de Eisenstein poderia provocar. Com o filme ainda passeando pelas retinas confirmei o quão interessante é o texto de Cláudio - o qual, se não me engano, está sendo publicado pela revista de geografia da UFGD (intitulada Entre-Lugar) - o qual, em busca de alguma sustentação, vai em busca de Deleuze e Guaterri, mas, no meu entender, consegue achar dentro de si mesmo a condição necessária para os comentários que desenvolveu.  .

Hoje acessei o texto de Alexandre Pilati (cujo link postei no Twiter) e não vi outra alternativa que convidar a todos a se debruçarem sobre este filme imperdível.
Só como exercício inicial vale acessar um dos trechos disponíveis no You Tube (http://www.youtube.com/watch?v=C3a9FmMyIPg&feature=fvwrel), o qual pode ser uma referência interessante para o que tendemos a chamar de "leitura da paisagem". Convido a todos a acompanhar o video lembrando que, também no You Tube, há outros fragmentos magistrais.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Geopolítica

Hoje, observando os comentários de uma aluna de Relações Internacionais (Karliene Castelari) me deparei com a seguinte afirmação: o Estado transforma a geografia (topologia) em geopolítica.  
Num primeiro momento tentei me lembrar se tal frase teria sido dita por mim e, rapidamente, conclui que não. De qualquer maneira, está dada como uma tese viável para o formato geral do imperialismo contemporâneo. Como diria o grande Saramago (em seus Cadernos de Lanzarote), é presico descarnar as palavras, desvendar seus significados e aqui fica mais uma proposição para o debate.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os comentários de Vicente di Cioni



O texto a seguir me foi encaminhado pelo amigo Vicente di Cioni, professor titular
 de Teorias e métodos da Geografia na Universidade de Buenos Aires. Como disse a ele quando recebi os comentários, esta é a primeira manifestação escrita que recebi sobre um texto que foi publicado na revista Terra Livre número 30, de 2008. Bom, pedi a ele que me desse a honra de colocar esses comentários em meu blog. Lá vai:

Acabo de finalizar una primera lectura rápida de “Sobre as armadilhas que construimos e o que devemos fazer con elas” de Douglas Santos, en el que expone las caídas positivistas del pensamiento crítico al soslayar la unidad de los momentos subjetivos y objetivos de la realidad.
El texto de Douglas es interesante por haber resaltado la caída positivista de la geografía crítica en tanto se pregunta más por el objeto que por el sujeto del quehacer geográfico y por el proceso mismo de tal quehacer.
La crítica alcanza a Milton Santos quién sostenía en su "La naturaleza del espacio" (sin más ni menos) que el objeto de la geografía, en su caso "el espacio geográfico",  es el que determina el corpus disciplinario, es decir, el sujeto que hace la geografía. El libro de Milton Santos data de 1997. Extrañamente fue un texto que “conmovió” a muchos por diferentes motivos. En mi caso lo fue por haber tomado cierta distancia metodológica con un texto de 1982
Esta cuestión crucial la tuve siempre presente desde mis incursiones como estudiante de Geografía y, antes, de filosofía y sociología. La idea fue plasmada en un pequeño texto crítico que algunos compañeros de militancia escribimos en 1973 a modo de manifiesto programático al hacernos cargo de la dirección del Instituto de Geografía y el Departamento de Geografía de la UBA.
En 1985, con motivo de mi retorno a la Universidad (fui desterrado junto con muchos por la derecha peronista en 1974), emprendí una búsqueda histórico-geográfica-sociológica de esa disciplina que se dió en llamar geografía. A tal efecto me sirvieron fundamentalmente las Lecciones de la historia de la filosofía, La Enciclopedia de las ciencis filosóficas, La Lógica y Filosofía de la historia de Hegel.
Siguiendo a Hegel, sostuve que la geografía había perdido la unidad de los momentos subjetivos y objetivos de la realidad, los que que combinan en la noción hegeliana de "Idea", siendo la "Idea absoluta" la praxis histórico social que "producen" la conciencia y sus contenidos. La identidad sujeto-objeto la consideré clave. Con el tiempo definí sencillamente al momento subjetivo como conjunto de procesos diversos de organización de la realidad como totalidad y de sus partes. Luego la multiplicidad de objetos y su unidad o totalidad es el resultado de cierta organización, la cual no es otra cosa que la praxis colectiva e individual.
A partir de este supuesto cometí la herejía "científica" de sostener que eso que llamamos geografía es la unidad desigual y contradictoria de todas las formas histórica y geograficamente producidas y por producirse, entre ellas las lógicamente posibles. Esta definición era y es, sin duda, muy abstracta, pero también muy concreta, según se mire. Implica reconocer que hay, en primera instancia, muchas geografías y geógrafos y que tal reconocimiento era fundamental a la hora de comprender la dispersión de representaciones y prácticas con sentido democrático, lo cual implica el reconocimiento de unos y otros.
En términos más concretos definí, luego, a los objetos como formaciones económico sociales. Esta noción, sabemos, denota y connota la diversidad de momentos objetivos y subjetivos. Lo central no está dado por el producto-formación, sino por la "formación" como proceso desigual y combinado de "organización" de lo real.
En síntesis: creo que, por diferentes caminos, hemos llegado a la misma conclusión: es necesario no caer en las trampas (armadilhas) del empirismo positivista, entre ellas sus vertientes "logicistas" proclives a las definiciones formales desdialectizadas y, por lo tanto, abstractas.
[El Palomar, 12/06/2012]

terça-feira, 15 de maio de 2012

Caros Amigos,
É com o maior prazer que envio a todos a lista de "links" que nos permite acessar as gravações em audio que conseguimos fazer no transcurso dos 3 dias do seminário que, entre 07 e 09 de maio realizamos na PUC-SP e cuja programação foi a seguinte:


CICLO DE PALESTRAS
“O PENSAMENTO GEOGRÁFICO E OS DISCURSOS SOBRE O BRASIL”

Realização do Departamento de Geografia da PUC-SP e
Núcleo de Estudos das Geografias do Contemporâneo da USP

Programação
Dia 7 de maio
O Discurso Geográfico no Brasil - a construção da brasilidade, suas leituras e seus leitores.
Palestrante: Prof. Dr. Douglas Santos (PUCSP).
Debatedores: Prof. Dr. Jorge Barcellos da Silva (UNIFESP) e
Prof. Dr. Mauro Luiz Peron (PUCSP)

Dia 8 de maio
Uma Leitura da Geografia do Brasil: os lugares, suas tramas e suas escalas.
Palestrante: Prof. Dr. Ruy Moreira (UFF)
Debatedores: Prof. Dr. Antonio Rago Filho (PUCSP) e
Prof. Dr. Douglas Santos (PUCSP)

Dia 9 de maio
Geografia e geograficidade: a ordem das categorias e a invenção dos conceitos.
Palestrante: Prof. Dr. Ruy Moreira (UFF)
Debatedores: Profa. Dra. Cecília Cardoso (PUCSP e FSA) e
Prof. Dr. Élvio Rodrigues Martins (USP)

E, no dia 10 de maio, por parte do Colegiado de Geografia do CUFSA,
“Aziz Ab'Saber - uma contribuição ao pensamento e à Ciência Geográfica”
Palestrante: Prof. Dr. Ruy Moreira (UFF)
Palestrante: Prof. José Bueno Conti (USP)
Mediadora: Profa. Dra. Cecília Cardoso (PUCSP e FSA)
Locais:


VALE LEMBRAR QUE O ACESSO AOS ARQUIVOS SÓ PODERÁ SER FEITO SE ELES FOREM "BAIXADOS" EM SEU COMPUTADOR.
UM OUTRO DETALHE É QUE AINDA NÃO POSSUO AS GRAVAÇÕES DAS ATIVIDADES REALIZADAS EM SANTOS ANDRÉ.
Abraços a todos,
Espero que ouçam e que possamos dar continuidade aos debates que tanto precisamos realizar.

http://www.mediafire.com/?2l805uxlynb25rj

http://www.mediafire.com/?31qroxy4y4o74eq

http://www.mediafire.com/?f1bxjec44j45xds

http://www.mediafire.com/?cxtqtui7sax2017

http://www.mediafire.com/?3oqh3flfvn5i6dt

http://www.mediafire.com/?pm1a0kijitkf38t

Douglas Santos
Dpto de Geografia PUC-SP

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PAISAGEM, TERRITÓRIO, REGIÃO 2


Antes que possamos a ler os textos de referência e, consequentemente, retirar ou identificar neles os pensamentos de um autor, é preciso que tenhamos, de alguma maneira, pactuado significados. Não há língua que não carregue consigo uma infernal gama de polissemias. Cada palavra, e aquelas que povoam os discursos acadêmicos com mais razão ainda, carrega consigo os significados que a geraram e, na sequencia, os significados que seus usos provocaram. Trata-se, de fato, de um terreno escorregadio. José Saramago, no primeiro volume de seus Cadernos de Lanzarote, numa página que já não lembro, nos convoca a “descarnar as palavras”, retirando delas suas coberturas e expondo-as em todo sua nudez (evidentemente que cito de memória) e, não podemos deixar de lado que, anos depois, ao escrever A Viagem do Elefante (na página 71 da edição brasileira), observamos a seguinte digressão:
“No cristianismo são quatro, meu comandante, com perdão do atrevimento, Quatro, exclamou o comandante estupefacto, quem é esse quarto, A virgem, meu senhor, A virgem está fora disto, o que temos é o pai, o filho e o espírito santo, E a virgem, Se não te explicas, corto-te a cabeça, como fizeram ao elefante, Nunca ouvi pedir nada a deus, nem a jesus, nem ao espírito santo, mas a virgem não tem mãos a medir com tantos rogos, preces e solicitações que lhe chegam a casa a todas as horas do dia e da noite, Cuidado, que está aí a inquisição, para teu bem não te metas em terrenos pantanosos, Se chego a viena, não volto mais, Não regressas à índia, perguntou o comandante, já não sou indiano, Em todo o caso vejo que do teu induísmo pareces saber muito, Mais ou menos, meu comandante, mais ou menos, Porquê, Porque tudo isso são palavras, e só palavras, fora das palavras não há nada, Ganeixa é uma palavra, perguntou o comandante, Sim, uma palavra que, como todas as mais, só por outras palavras poderá ser explicada, mas, como as palavras que tentaram explicar, quer tenham conseguido fazê-lo ou não, terão, por sua vez, de ser explicadas, o nosso discurso avançará sem rumo, alternará, como por maldição, o errado com o certo, sem se dar conta do que está bem e do que está mal...”

 Este é o terreno sobre o qual andamos e, certamente, escorregamos perigosamente. Todos os textos que serão apresentados, lidos, relidos, desmontados e remontados, exigem, sempre, explicações e, tal como podemos acertar de princípio, tais explicações se farão com mais palavras e o autor, que no presente caso sou eu, de forma relativamente prepotente estabelecerá limites, imporá recortes, dirá o quanto basta dizer sobre o que outros autores consideraram e deram, anteriormente, o seus bastas. Trata-se, portanto, de se realizar “in vitro” o dialética necessária à construção do conhecimento.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PRÁTICA DE ENSINO EM GEOGRAFIA


Tal como os textos relacionados ao tema: Paisagem, Território e Região, este também é fruto dos muitos cursos que ministrei. A diferença está no fato de terem sido oferecidos aos alunos de especialização em ensino de Geografia e não aos de graduação.
No ritmo das possibilidades (esses textos, infelizmente, são escritos nos intervalos dos compromissos com as aulas, a editora do Brasil, a editora Abril, os cursos de Moçambique e, vez ou outra, o direito de tomar uma cerveja no final de semana) aqui, também, tentarei reproduzir as aulas que ministrei e fragmentos de textos apresentados por alunos.
A base geral dos textos tem por bibliografia a mesma que se encontra no quadro do curso. Novos textos serão citados no transcorrer e referenciados diretamente (não haverá uma bibliografia no final dos texto, considerando o fato de que todos eles serão publicados de forma fragmentária, seguindo, da melhor maneira possível, o formato dos blogs.

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE GEOGRAFIA – PUC/SP

INTRODUÇÃO
As práticas do ensino de Geografia tornaram-se motivo de debates intensos e reflexões há, pelo menos, três décadas e, nesse percurso, temos amadurecido nossos posicionamentos. Em linhas gerais pode-se resumir o processo nos seguintes termos:
·  Entre os anos 70 e meados dos 80 tivemos como foco central o repensar dos conteúdos que identificam nossa disciplina. Nesse período, identificamos o estreito relacionamento entre nossos desenvolvimentos temáticos e os fundamentos do pensamento de cunho funcionalista além da estreita relação entre tal posicionamento e a defesa subjacente aos interesses de Estado e das classes dominantes (como já foi denunciado por Lacoste, Moreira e Santos)
·  No transcorrer dos anos 80 até o início dos 90 verificamos a insuficiência de nossas críticas, na medida em que o reordenamento dos conteúdos não interferiu, diretamente, numa melhor qualificação dos processos de ensino-aprendizagem desenvolvidos por nossos professores. Nesse período procuramos identificar os vínculos possíveis entre as novas leituras e as discussões de ordem pedagógica que, normalmente, se relacionam aos primeiros anos do ensino fundamental.
·  Por fim, a partir do final dos anos 90, verificamos que, para além de uma discussão que buscasse o vínculo entre os conteúdos propostos e as leituras pedagógicas, carecíamos de um maior aprofundamento sobre o significado da própria instituição escolar. Tal constatação se dá na medida em que os problemas relacionados ao ensino de nossa disciplina são, na verdade, comuns a toda a prática escolar. É, justamente, esse o momento pelo qual passamos e é com tais preocupações que o presente curso se realiza.
OBJETIVOS GERAIS DO CURSO E SISTEMA DE AVALIAÇÃO
Com o objetivo de colocar em evidências as relações propostas na INTRODUÇÃO o curso terá como foco principal a identificação do significado da Geografia no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto procuraremos evidenciar as estruturas lógicas subjacentes à produção do pensamento geográfico e, com elas, o significado de tal aprendizagem no processo de desenvolvimento cognitivo do educando.
Para fins de avaliação os alunos devem apresentar ao final do curso, em formato eletrônico e dirigido ao endereço dsantos@pucsp.br um caderno de anotações  contendo os conteúdos ministrados em aula e os comentários pessoais que porventura o aluno considerar pertinente. Será considerado completo o caderno que contiver anotações e comentários de todas as aulas efetivamente ministradas.
Aula
Temário central
  1.  
Apresentação do curso. Linguagem e conhecimento. As linguagens da Geografia
  1.  
Linguagem e lógica. Geografia e lógica. A ordem topológica. O aprender e o ensinar Geografia. Alfabetizar em Geografia. O desenvolvimento das estruturas lingüísticas nos ensinos: fundamental, médio e superior; a relação entre o domínio dos conteúdos e o desenvolvimento cognitivo.
  1.  
 O que se ensina e o que se aprende: a diferença entre conteúdo e objetivo pedagógico. Conteúdo, avaliação e ressignificação das estruturas discursivas Geografia como disciplina escolar
  1.  
A Geografia na primeira fase do ensino fundamental (1o. ao 5o. anos)
  1.  
A Geografia na segunda fase do ensino fundamental ( 6o. ao 9o. anos)
  1.  
A Geografia na segunda fase do ensino fundamental (6o. ao 9o. anos)
  1.  
A Geografia no ensino médio
  1.  
O que falta discutir. Avaliação final do curso.
Bibliografia
Bachelard, Gaston, escreveu, entre outras muitas obras, “A Formação do Espírito Científico” publicada no Brasil em 1996 pela editora Contraponto do Rio de Janeiro. Tal obra nos traz uma profunda reflexão sobre o processo de construção do conhecimento humano e trata-se de um livro de leitura obrigatória para quem se interessa pelo assunto.
Burtt, Edwin, escreveu “As Bases Metafísicas da Ciência Moderna”, editado pela Universidade de Brasília, Brasília, em 1991. Trata-se de um texto da maior importância para quem quiser refletir sobre o significado da matemática no desenvolvimento da ciência até o Iluminismo. Para um maior aprofundamento em relação à Matemática e à Física indicamos a leitura dos capítulos referentes a Copérnico, Descartes e Newton.
Carvalho, Marcos B. autor de “O que é Natureza” – publicado na coleção Primeiros Passos da Ed. Brasiliense, coloca em evidência o fato de que o que entendemos por Natureza é, na verdade, uma construção social. Apontando o sentido dessa expressão em diversos momentos históricos veremos que cada sociedade, dependendo dos interesses que a hegemonizam, entendem Natureza de uma forma específica.
Changeux, Jean-Pierre e Connes, Alain escreveram Matéria e Pensamento, publicado pela Editora Unesp, São Paulo, em 1996 – Trata-se de um diálogo entre um biólogo (o primeiro) e um matemático. A leitura do primeiro capítulo (págs. 11 a 34) nos permitirá identificar a profunda polêmica existente sobre o papel e o significado da matemática. A posição de que a matemática é uma linguagem é discutida com alguma riqueza de detalhes nesse livro.
Crosby, Alfred W. em seu livro “Imperialismo Ecológico”, editado pela Companhia da Letras em 1993, traça um interessante perfil do processo de colonização levado a cabo pelos Europeus realçando os aspectos ecológicos do processo. O subtítulo do livro é suficientemente esclarecedor: “A expansão Biológica da Europa: 900-1900”. Consideramos que se trata, para quem quer se aprofundar nas discussões sobre o significado do processo expansionista europeu do ponto de vista ambiental, um livro de leitura obrigatória.
Freinet, Célestin, escreveu “O Método Natural”, publicado em língua portuguesa pela Editorial Estampa, de Lisboa, em primeira edição no ano de 1977, em três volumes distintos. No primeiro o autor trata da aprendizagem da língua, no segundo da aprendizagem do desenho e, no terceiro, da escrita. A obra de Freinet causou, desde seus primórdios, intensas polêmicas entre os educadores, mas, podemos afirmar, paulatinamente ela foi se consolidando tanto na forma de publicações de cunho acadêmico quanto pelo surgimento de escolas, espalhada por diversos países, inclusive o Brasil, inspirada em seus ensinamentos. Os três volumes d”O Método Natural” constituem a base de toda a sua obra e merecem serem lidos e discutidos em profundidade. Chamamos a atenção para o segundo volume (a aprendizagem do desenho) de onde retiramos alguns pensamentos inspiradores na discussão sobre o papel da cartografia no processo de ensino-aprendizagem.
É dele, também, As técnicas Freinet da Escola Moderna –– Ed. Estampa Lisboa – 1975, um pequeno volume de bolso que sintetiza algumas de suas principais idéias.
Freire, Paulo é o autor da obra A Importância do Ato de Ler em três artigos que se completam – publicada pela Ed. Cortêz de São Paulo que em 1994 já estava em sua 29ª edição. Nessa obra Paulo Freire redimensiona o significado de “ler” ampliando, igualmente, a noção de linguagem.
Harper, Babette et alli escreveram “Cuidado, Escola: Desigualdade, Domesticação e Algumas Saídas”. Apresentado por Paulo Freire (equipe do IDAC)  e editado no Brasil pela Ed. Brasiliense, 19ª ed. 1985, S Paulo. Trata-se de uma das publicações mais importantes sobre o significado de escola que dispomos no Brasil. Escrita para leigos, é de leitura obrigatória tanto para alunos quanto para professores.
Marx, Karl é, sem dúvida, um dos mais referenciados e polêmicos autores dos últimos duzentos anos, já que, contra ou a favor, uma parcela considerável de toda a produção intelectual, desde meados do século XIX, de alguma maneira se referencia em sua obra. Indicamos uma publicação em espanhol denominada “Elementos Fundamentales para a Crítica de la Economía Política (Grundrisse) 1857~1858” e publicada pela editora Siglo Veintiuno Editores de Madri (a edição que dispomos é de 1986). No Brasil a ed. Martins Fontes, de São Paulo, publicou em 1983 (em Segunda Edição) uma parte dessa obra com o título de “Contribuição à Crítica da Economia Política”. O texto que nos permite observar as reflexões de Marx sobre a construção do “concreto em pensamento” está publicado nessa edição e se encontra entre as páginas 218 e 226.
Olson, David R. escreveu O Mundo no Papel, publicado no Brasil pela Ática, São Paulo, em 1997. Nesse trabalho o autor procurou identificar o significado da leitura e da escrita na construção da inteligência humana. Não indicaremos, aqui, alguma página específica que poderia ser considerada de interesse maior que outras: vale ler o livro inteiro.
Souza Santos, Boaventura de; é o autor de uma obra intitulada “A Crítica da Razão Indolente – contra o desperdício da experiência” publicada no Brasil pela editora Cortez, de São Paulo, no ano 2000. Souza Santos é um dos mais conhecidos e influentes sociólogos portugueses contemporâneos. Autor de uma vasta obra que procura refletir desde temas como “Pós-modernidade” até o significado do conhecimento científico em nossa época, a obra aqui citada possui duas características que devem ser realçadas: A primeira refere-se ao fato do autor procurar colocar em questão o tipo de conhecimento que foi sendo construído, principalmente pelas sociedades ocidentais, a partir do renascimento e, o segundo, o fato de ter escolhido a cartografia como uma ferramenta eficaz para a reestruturação de nossa maneira de pensar o mundo (o papel da cartografia no processo de ensino-aprendizagem é tema de item específico).
Szamosi, Gésa, escreveu “Tempo & Espaço, As Dimensões Gêmeas”, editado pela Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, em 1988,  onde principal objetivo é demonstrar que é o tipo de vida e as condições biológicas que definem tais percepções e, dessa maneira, a capacidade humana de pensar, falar e escrever é determinante no desenvolvimento de nosso entendimento do que seja o mundo em que vivemos. Nos dois primeiros capítulos, o autor procura identificar o sentido geral da evolução biológica e suas relações com as percepções de tempo e espaço e a leitura dessa parte do livro pode nos ajudar a compreender o sentido do processo de ensino-aprendizagem – mesmo que esse não seja o objetivo específico do texto – na medida em que se evidencia o papel da linguagem na construção do pensamento.
Vigotski, L. S, escreveu “Pensamento e Linguagem”, editado pela Martins Fontes, São Paulo, em 1999. É um texto que deve ser lido integralmente já que o autor é, hoje, reconhecidamente, um dos mais influentes personagens do debate sobre o processo de ensino-aprendizagem.
Também usamos como referência um outro livro do mesmo autor denominado “A Formação Social da Mente” editado pela Martins Fontes, São Paulo, em 1998. Nele encontraremos um amplo conjunto de textos tratando, além de questões fundamentais da psicologia infantil, de questões básicas da relação ensino-aprendizagem. Chamamos especial atenção para essa segunda parte, já que categorias fundamentais, tais como “zona de desenvolvimento proximal”, são ali discutidas com riqueza de detalhes.
Whitrow, G. J. escreveu o livro “O Tempo na História” editado no Brasil pela Jorge Zahar Editores, do Rio de Janeiro em 1993. Nele encontraremos uma série muito interessante de reflexões sobre o significo de “tempo” da pré-história até nossos dias. Esse texto está aqui citado, no entanto, para fazer referência às reflexões do autor sobre o papel da linguagem oral e escrita que encontraremos nas págs. 36 a 38 e que valem a pena serem lidas.